Os recentes artigos sobre as vinícolas e vinhos que conheci na Chapada Diamantina provocaram uma série de degustações chamando a atenção para os tipos de viticulturas praticadas no Brasil. Entretanto, ficou faltando escrever e detalhar melhor o que chamamos de VITICULTURA TROPICAL.
Após as visitas nas vinícolas de Mucugê e Morro do Chapeu, uma parte do grupo de visitantes voltou para casa e uma parte continuou num Roteiro de visitas a Senhor do Bonfim, Curaçá, Petrolina, Recife e Garanhuns, visitando diversas Vinícolas da região do Vale do São Francisco, finalizando com uma bela visita cultural a Recife. O Roteiro foi preparado com todo cuidado pela Zênithe Travelclub. Operadora e Consultoria em experiências e viagens EnoGastronômicas e de Conhecimento. Contatos podem ser feitos com Germán Alarcón-Martín. german@zenithe.tur.br e Cel./WhatsApp: (31) 99834-2261.
Nas regiões de clima tropical semiárido, cujas altitudes variam entre 50 e 400 m, existem condições, em que geralmente ocorrem duas podas e duas colheitas por ano, cujas uvas são destinadas à elaboração dos chamados “vinhos tropicais” e também de sucos, em qualquer período, através do escalonamento das parcelas do vinhedo.
Ao contrário da região sul do Brasil, onde ocorre uma única colheita anual, entre os meses de fevereiro e março, o Vale do São Francisco tem entre duas e três colheitas por ano, da mesma videira e cada uma destas colheitas, com frutas de características variáveis.
Em 2021 na região foram produzidos aproximadamente 7,5 milhões de litros de vinhos finos elaborados a partir de castas bem adaptadas ao clima local, 10 milhões de litros de vinhos de mesa, além de suco e uvas in natura que abastecem o mercado interno e externo.
O exemplo mais marcante desta viticultura é a praticada no Vale do Submédio São Francisco, no polo Petrolina-PE/Juazeiro-BA, onde a videira vem sendo cultivada desde as décadas de 70-80 do séc. XX, e em 2022 obteve sua própria IP (Indicação de Procedência).
Novos projetos estão sendo implantados desde 2020 no Estado de Alagoas, no Baixo São Francisco, nos municípios de Piranhas e Traipu – AL, também em condições de clima tropical semiárido, entre 50 e 300 m de altitude.
O que difere esta viticultura tropical da viticultura tradicional é o regime térmico e o uso da irrigação ao longo do ano, possibilitando à videira produzir de forma contínua. O bioma Caatinga, caracterizada pela presença abundante de cactáceas e espécies arbóreas adaptadas ao clima quente e seco.
Nesta região com solo rico em minerais e com pouca presença de matéria orgânica, com incidência de 3.100 horas de sol por ano, estações bem definidas, e um projeto arrojado de irrigação dos vinhedos, chega-se a ter 2 e ½ colheitas ao ano (ou 5 colheitas em dois anos). Um clima semiárido que desenvolve bem a chuva no primeiro trimestre do ano, e os enólogos e demais membros das vinícolas, responsáveis pela produção dos vinhedos, conseguem conduzir as vinhas para conceder o que elas tem de melhor na região.
Toda essa sistemática empregada pelas vinícolas da região, acaba por proporcionar diferentes micros e nano climas dentro dos vinhedos, chegando ao ponto de haver diferentes estágios de maturação das uvas nas parcelas.
As safras bem definidas, englobam os meses de fevereiro a abril, onde podem-se colher uvas para produção de vinhos mais jovens e vinhos brancos. Entre maio e agosto, com as temperaturas mais amenas e uma amplitude térmica maior, podem ser colhidas uvas que vão gerar vinhos com maior qualidade e projeções de amadurecimento, apresentando um equilíbrio maior entre acidez e açúcares, sendo nesse período que as vinícolas apostam na produção de vinhos de guarda de maior consistência. Nos períodos de outubro a dezembro onde há muito sol, até o início das chuvas do primeiro trimestre, o ciclo evolui.
As uvas tintas que mais se destacam na região do Vale do São Francisco, são a Syrah e a Tempranillo, enquanto em relação as uvas brancas, as que mais se destacam são a Chenin Blanc e a Moscato Canelli.
♦ COMO TUDO COMEÇOU – Foi na década de 1960 que o Nordeste entrou em cena e o Vale do São Francisco iniciou a produção de uvas e vinhos, com o plantio das primeiras videiras. Nos anos de 1963 e 1964, foram instaladas duas estações experimentais, nos municípios de Petrolina, no Sertão de Pernambuco e Juazeiro, na Bahia, onde seriam implantados, respectivamente, o Projeto Piloto de Bebedouro e o Perímetro Irrigado de Mandacaru.
Apesar da escassez de chuva, o clima quente e seco do semiárido mostrou-se terreno fértil para a vitivinicultura e, na mesma década, outras cidades do Sertão de Pernambuco passam a fazer parte da cadeia produtiva.
Entre os anos 80 e 90, a região banhada pelo Rio São Francisco passou a ser produtora de vinhos finos, e em 1984 foi produzido o primeiro vinho no Vale do Submédio São Francisco, com a marca Boticelli. O fortalecimento da vitivinicultura no Vale do Submédio São Francisco se deu com a instalação de vinícolas na Fazenda Milano, em Santa Maria da Boa Vista – PE e Fazenda Ouro Verde, em Casa Nova, na Bahia, que passaram a produzir Vinho Finos.
A partir dos anos 2000, a produção se fortaleceu na região, com a implantação de novas vinícolas e vitivinícolas, ações governamentais e de ensino, pesquisa e inovação, que trouxeram novas tecnologias de produção e processamento de uvas. Foi nessa época que surgiu a Escola do Vinho do Curso Superior de Tecnologia em Viticultura e Enologia, do Instituto Federal do Sertão Pernambucano.
Atualmente, o Vale do São Francisco abriga a vinícola Botticelli, em Santa Maria da Boa Vista (PE); as vinícolas Bianchetti, Mandacaru e Terroir do São Francisco, e a vitivinícola Rio Sol (Santa Maria), em Lagoa Grande (PE); a Vitivinícola Quintas São Braz, em Petrolina (PE); e a vinícola Terra Nova, em Casa Nova (BA).
♦ VINÍCOLA BOTTICELLI - Fundada em 1984, atualmente produz cerca de 1,5 milhão de litros de vinhos por ano, criando vinhos jovens e sucos. A primeira indústria da região a produzir vinho e pioneira no Nordeste no cultivo de uvas para exportação, localizada na Fazenda Milano, Zona Rural, s/nº, Santa Maria da Boa Vista – PE. Trabalha principalmente com as uvas Cabernet Sauvignon, Petit Syrah, Chenin Blanc e Moscato Canelli.
Seus vinhos de estilo jovem, sem passagem por barricas e sem grande complexidade. Atualmente desenvolve um projeto de blends com as castas Cabernet Sauvignon, Tempranillo e Tannat, que levam alguma passagem por barrica.
♦ VINÍCOLA BIANCHETTI – É a única a produzir vinhos orgânicos na região, localizada na Estrada dos Vermelhos, s/nº, Zona Rural, Lagoa Grande-PE. Produz as castas tintas Cabernet Sauvignon, Petit Syrah, Barbera e Tempranillo além das castas brancas Sauvignon Blanc e Moscato. Tem produção espumantes, vinhos secos, vinhos suaves e sucos. Alguns exemplos são os espumantes Bianchetti Branco Brut, Moscatel Asti e Rosé Demi-Sec.
♦ VINÍCOLA TERROIR DO SÃO FRANCISCO – GARZIERA - Localizada no Sítio Gado Bravo, s/n – Distrito de Vermelhos – Lagoa Grande – PE. É a pioneira no turismo enológico e na produção de suco natural de uva.
Com o aporte de novos investidores e sócios, a Terroir do São Francisco/Vinícola Garziera, localizada em Lagoa Grande (PE), adquiriu parte da histórica Fazenda Milano, localizada em Santa Maria da Boa Vista (PE). O novo projeto foi batizado de Vitivinícola Tropical e chegou ao mercado com foco em vinhos de entrada e frisantes. A vinícola está produzindo apenas o suco de uva integral Sol do Sertão e espumantes, e a visitação precisa ser agendada.
A linha Botticelli, tradicionalmente elaborada pela Milano, segue em produção na estrutura do novo grupo; assim como a marca Garziera, da Terroir do São Francisco. Esta última ganhou uma nova identidade visual e novos estilos, com vinhos de Chardonnay/Chenin Blanc, Rosé de Malbec e os varietais tintos de Malbec, Cabernet Sauvignon, Tempranillo e Shiraz. Foram lançados vinhos tranquilos suaves em lata de Cabernet Sauvignon e Moscato Canelli. O produto entrou como uma das bebidas oficiais do São João de Petrolina. Nos dez dias do evento, houve 292 mil reposts e 30 mil pessoas visitaram a página no Instagram da vinícola.
♦ VINÍCOLA SANTA MARIA – RIO SOL - Situada no Vale do São Francisco, em pleno sertão Pernambucano, a Vitivinícola Santa Maria (Rio Sol) está localizada no Município de Lagoa Grande. Produz vinhos e espumantes de alta qualidade que são distribuídos para todo o Brasil. A empresa pertence a Global Wines, com sede na região do Dão, em Portugal.
Atualmente trabalha com 20 variedades de uvas, distribuídas em 120 hectares de área plantada, proporcionando duas safras anuais e dois milhões de garrafas.
Sol em abundância e a irrigação trazida pelo Rio São Francisco, são fatores essenciais para o alto desempenho das safras e qualidade das castas. Os ciclos das videiras são controlados e planejados, possibilitando ao visitante saborear uvas o ano todo
A vinícola possui 120 hectares de área plantada, onde são produzidos, anualmente, cerca de 3 milhões de quilos de uvas, através do processo de irrigação por gotejamento. Entre as espécies plantadas estão uvas tintas como Cabernet Sauvignon, Syrah, Aragonês, Touriga Nacional, Alicante Bouschet, Tempranillo e Merlot, além das brancas Chenin Blanc, Viognier e Moscatel.
A empresa conta com modernos tanques com controle de temperatura e pressão, sala de barricas para estágio dos vinhos em barris de carvalho francês e uma linha de engarrafamento e rotulagem que utiliza tecnologia importada, semelhante à utilizada nas outras vinícolas da Global Wines na Europa.
Os vinhos brancos e tintos são de diversas castas, tais como: Arinto, Viognier, Moscato Canelli, Cabernet Sauvignon, Syrah, Alicante Bousquet, Touriga Nacional e Aragonês, dentre outras. No total são 23 rótulos, entre os quais citamos o Espumante Brut Rosé, que já conquistou medalha de ouro em 2019 na premiação Concurso Vinhos e Destilados no Brasil. O Vinho Tinto Rio Sol Premium também recebeu medalha de ouro em 2017, no Concurso Mundial de Bruxelas. O vinho Rio Sol Premium é feito como um blend de 5 castas: Cabernet Sauvignon, Syrah, Alicante Bousquet, Touriga Nacional e Aragonês, com passagem de 12 meses em barrica de carvalho francês de primeiro uso. Esse vinho tinha inicialmente o nome de Paralelo 8, que representava exatamente a localização do paralelo onde fica situada a Vinícola Rio Sol.
Para quem gosta de passear pelo “Velho Chico” a Rio Sol tem um barco catamarã que eleva a experiência de degustar os vinhos, com banho no Rio São Francisco e degustação de espumantes.
♦ VINÍCOLA TERRA NOVA – MIOLO - Localizada no Município de Casa Nova, na Bahia, na Fazenda denominada Ouro Verde, tem mais de 200 hectares de terras plantadas com diversas castas, com uma produção anual de mais de 4,5 milhões de litros de mosto de uva, dos quais 2 milhões são destinados a produção de vinhos e o restante para produção de sucos e grappas.
Quando a Vinícola Miolo chegou na Bahia, em 2001, carregou consigo a mesma esperança que o imigrante Giuseppe Miolo, bisavô de Adriano Miolo, trouxe da Itália em 1897, que ao plantar as primeiras mudas de uvas deu origem ao emblemático Lote 43, no Vale dos Vinhedos. Nesses 22 anos no sertão brasileiro, a marca Terranova evoluiu e hoje é uma referência unindo a tradição da família Miolo e o terroir do Vale do São Francisco.
O primeiro vinho elaborado na região foi o Terranova Shiraz. A partir daí, a produção de espumantes foi intensificada, sobretudo com o Terranova Moscatel, espumante mais vendido da marca. Em algumas parcelas dos vinhedos que fazem parte da vinícola, há condições especiais e diferenciadas, onde são cultivadas uvas que dão origem ao admirável vinho da uva Syrah, o Testardi, que significa “teimoso”, face a teimosia das pessoas que resolveram apostar nesse terroir e acreditar que poderiam criar grandes vinhos na região.
Desse mesmo terroir – com nome de Mandacaru, saem alguns vinhos da linha Single Vineyard da Miolo, uma linha extremamente agradável e de grande potencial de qualidade.
Além de toda a beleza da região, a Miolo juntamente com o Governo do Estado da Bahia e do Pernambuco, bem como com as Secretarias locais, implementaram o projeto VAPOR que consiste em resgatar o antigo barco à vapor que navegava pelas águas do Velho Chico, com passeio nesse barco como parte do projeto de enoturismo na região do Vale do São Francisco.
O Vale do São Francisco é surpreendente. As experiências em torno da cultura do vinho começam pelas águas do Velho Chico com o roteiro enoturístico Vapor do Vinho. O tour parte de Juazeiro e durante 2h30min o barco vai parando em pontos turísticos. A degustação a bordo é regada a vinhos e espumantes Terranova, que harmonizam com comidas típicas da região.
♦ VINÍCOLA VINUM SANCTI BENEDICTES - Essa vinícola que está localizada no Município de Curaça, na Bahia, é um projeto de um apaixonado pelo vinho, o Mestre José Figueiredo, que atuou como Sommelier profissional por mais de 30 anos, sendo inclusive eleito o melhor Sommelier do Brasil.
Depois de se aposentar, ele buscou ajuda junto a EMBRAPA para realizar esse projeto magnífico e sonhador, com vinhos de extrema qualidade e com um pequeno projeto de enoturismo dentro de sua Vinícola.
Ele desenvolve um projeto muito interessante, com degustação local, realização de pisa a pé, colheita noturna de suas vinhas, e vinhos que são produzidos com muito cuidado, primando pela prensagem e desengace de forma manual. O carro-chefe do projeto é o VSB, um vinho feito com as castas Syrah, Touriga Nacional e Tannat, nas safras 2017, 2018 e 2019.
Para quem imaginava que Bahia só vivia de acarajé e carnaval, é chegada a hora de saber que aqui também, se faz vinhos! E vinho de muito boa qualidade!!! Saúde!!!
Aproveite para comentar se gostou ou não!!! (Este artigo está baseado em material disponível na internet, e minhas considerações em relação as pesquisas. Os créditos das fotos são de Mariella Miranda da Zenithe Travelclub).
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