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Foto do escritorMarcio Oliveira - Vinoticias

PARA ONDE VAI O VINHO QUE SE BEBE


Um ano antes de sua morte, Franz Kafka viveu uma experiência singular. Passeando pelo parque de Steglitz, em Berlim, encontrou uma menina chorando porque havia perdido sua boneca. Kafka ofereceu ajuda para encontrar a boneca e combinou um encontro com a menina no dia seguinte no mesmo lugar. Não tendo encontrado a boneca, ele escreveu uma carta como se fosse a boneca e leu para a garotinha quando se encontraram. A carta dizia: “Por favor, não chore por mim, parti numa viagem para ver o mundo”. Durante três semanas, Kafka entregou pontualmente à menina outras cartas, que narravam as peripécias da boneca em todos os cantos do mundo: Londres, Paris, Madagascar…Tudo para que a menina esquecesse a grande tristeza! Esta história foi contada para alguns jornais e inspirou um livro de Jordi Sierra i Fabra (Kafka e a Boneca Viajante) onde o escritor imagina como como teriam sido as conversas e o conteúdo das cartas de Kafka. No fim, Kafka presenteou a menina com uma outra boneca. Ela era obviamente diferente da boneca original. Uma carta anexa explicava: “minhas viagens me transformaram…”. Anos depois, a garota encontrou uma carta enfiada numa abertura escondida da querida boneca substituta. O bilhete dizia: “Tudo que você ama, você eventualmente perderá, mas, no fim, o amor retornará em uma forma diferente”. Creio que assim é a nossa experiência pelo mundo dos vinhos. Começamos sem muito jeito ou experiência, ou conhecimento degustando o vem à nossa taça mas com o tempo vamos ajustando os sentidos aos aromas e paladares e vamos definindo nosso gosto pessoal. Dai eu dizer que não há um vinho melhor que o outro, mas um vinho que eu gosto mais que o outro! E que fica na memória ... Algo interessante que observo nas orientações de confrarias que faço atualmente, realizadas com degustações às cegas, é que os confrades procuram rapidamente confirmar as notas atribuídas por eles aos vinhos, comparadas as notas dadas pelos críticos ou jornalistas especializados para os mesmos vinhos degustados, ou então vão direto ao Vivino checar a classificação do vinho. Há imediatas exclamações do tipo: -“Puxa o vinho que eu mais gostei só tem 85 pontos!”; ou então –“ O vinho que eu menos gostei teve 92 pontos do Parker!”. Já escrevi em artigos anteriores explicando que reduzir a qualidade de um vinho a uma nota, ou um número apenas, é algo que nem sempre leva alguém a beber o mesmo vinho e gostar dele. Além da questão da formação do paladar, aprofundamento dos conhecimentos sobre vinho que são pessoais, há muito mais a entender, ainda mais quando as escalas de notas ou critérios são os mais variados e subjetivos. Portanto, façamos como Kafka, no mundo do vinho, só espero que minhas viagens me transformem…, e os vinhos que hoje você gosta e eventualmente perderá ao final da taça, retornarão em uma forma diferente na taça seguinte!

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