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  • Foto do escritorMarcio Oliveira - Vinoticias

“CONHECENDO OS SUPERTOSCANOS”

"Super Toscano" é um termo usado para descrever os vinhos tintos da Toscana que incluem uvas “estrangeiras” em seu corte, particularmente Merlot, Cabernet Sauvignon e Syrah.

A criação de vinhos super toscanos resultou de enólogos frustrados em relação a uma lenta burocracia na mudança da lei de vinhos da Itália durante a década de 1970. Os produtores de vinho começaram a misturar variedades de vinhos "não autorizadas" (como Merlot e Cabernet Sauvignon) em suas misturas para criar vinhos de alta qualidade.


A década de 1960 foi um período de profunda crise na vitivinicultura toscana. Desde o fim da II Guerra Mundial, a Itália passou por dificuldades, especialmente no campo. Os donos de terras viam suas propriedades serem abandonadas pelos poucos agricultores que ainda persistiam. A sociedade evoluía e o antigo sistema de mezzadria, que sobrevivia na Toscana desde a época do feudalismo, estava sendo abandonado, fazendo com que os donos tivessem que cultivar as terras por si próprios.


Assim, num país devastado pela guerra, foi quase natural que, a prioridade fosse a quantidade e não a qualidade dos vinhos. O início da década de 1970 foi difícil para a região, com safras de qualidade inferior e problemas de superprodução. O Chianti estava em baixa, era preciso melhorar a qualidade dos vinhos e dissociar-se da imagem das garrafas revestidas de palha, conhecidas como “fiasco”, penduradas nos tetos das tratorias.


Neste contexto, em 1970, o marquês Antinori decidiu plantar em uma de suas grandes propriedades - a Santa Cristina, bem no meio da região do Chianti Clássico, um vinhedo com Cabernet Sauvignon, além de outras experiências que fez com castas como Chardonnay, Sauvignon Blanc, Gewurztraminer, Cabernet Franc, Merlot e Pinot Noir.


Entretanto, desde meados do século passado, produtores locais já vinificavam variedades francesas na Toscana, criando vinhos “rebeldes” e “fora da Lei”. Entre eles, o marquês Mario Incisa della Rochetta já produzia vinhos, para consumo particular na família, desde 1948 a partir das castas Cabernet Sauvignon e Cabernet Franc. O local escolhido para esta produção foi a região de Bolgheri, na costa da Toscana, na época considerada uma área inapta para a elaboração de bons vinhos.


O primeiro lançamento comercial de seus vinhos com variedades originárias da França foi na safra de 1968. Porém, devido às rígidas leis das denominações de origem da Toscana, o vinho teve que ser rotulado como Vino di Tavola. Assim, por não ser um vinho tinto produzido majoritariamente com a Sangiovese, somente podia ser vendido dentro da mais baixa classificação italiana, equivalente a um vinho de mesa. Foi assim que nasceu o Sassicaia, um dos mais reconhecidos e premiados Supertoscanos.

A ousadia do marquês italiano despertou a atenção de outros produtores da Toscana. Também em 1968 foi lançado o Vigorello, um corte de uvas francesas e italianas elaborado pela Agricola San Felice, na área do Chianti Classico.


A Marchesi Antinori lançou em 1971 o Tignanello, que é uma mistura de Sangiovese, Cabernet Sauvignon e Cabernet Franc, que é por muita gente considerado como o primeiro Supertoscano produzido em grande escala. Por conta de sua composição e pelo fato de ser elaborado na denominação Chianti Classico, também teve que ser comercializado na época como Vino di Tavola.


Antinori, com a ajuda do enólogo Giacomo Tachis, introduziu mudanças técnicas em sua vinícola, tais como: usar tanques de aço inox com temperatura controlada para os vinhos brancos; antecipar a colheita de alguns tipos de uvas; engarrafamento esterilizado a frio; fermentação malolática dos vinhos tintos; diminuição no rendimento dos vinhedos; uso de barris novos de carvalho da Eslavonia e da França. E, sobretudo, uso de castas estrangeiras não permitidas na região, como a francesa Cabernet Sauvignon e Merlot. Os problemas encontrados no início foram muitos, desde aspectos técnicos, legais até culturais.


Por conta do sucesso comercial do Tignanello, diversos outros produtores passaram a elaborar vinhos com cortes incluindo variedades francesas. Nomes como Ornellaia, Solaia, Cepparello, Flaccianello, Camartina, Lucenti, Siepi, Concerto, Cabreo, entre outros, passaram a ser conhecidos e a fazer parte das adegas de amantes de vinhos.


Em 1978, o Sassicaia venceu um importante concurso promovido pela revista Decanter e recebeu 100 pontos do Robert Parker. A partir destes eventos, os vinhos italianos começaram a ser aclamados em todo o mundo, culminando com os prêmios da revista americana Wine Spectator, uma das mais importantes publicações do gênero. Ela elegeu em 2000 o Solaia 1997, de Piero Antinori, o melhor vinho do mundo naquele ano. Em 2001, a dose se repetiu com o número 1 sendo ocupado pelo Ornellaia 1998, da Tenuta dell'Ornellaia, pertencente a Lodovico Antinori, irmão de Piero.


Hoje a qualidade italiana se estendeu a novos vinhos de todas as regiões e também a alguns vinhos clássicos que outrora andaram decadentes, como os Brunellos di Montalcino, que se renovaram e conquistaram com o Brunello di Montalcino Casanova di Neri 2001, da Tenuta Nuova, o reconhecimento como "wine of the year" da Wine Spectator.


O termo Supertoscano começou a ser usado a partir do início da década de 1980, porém não há consenso de quem seria o criador desta expressão. Segundo James Suckling, três nomes poderiam estar envolvidos: o famoso Luigi Veronelli, um intelectual e escritor italiano de vinho e gastronomia, ou de Burton Anderson, um escritor que se mudou para a Toscana em 1977, ou poderia ter sido David Gleave, um mestre em vinho e um dos principais especialistas do Reino Unido em vinhos com origem na Itália.


Independentemente de quem cunhou a frase, os produtores da Itália estavam virando a cabeça, fazendo vinhos que não se encaixavam, como o Guado Al Tasso, vinho produzido a partir da safra de 1990, que é um corte de 60% Cabernet Sauvignon, 30% Merlot e 10% Syrah.


Os vinhos Supertoscanos podem variar em estilo, mas a influência de Bordeaux é notável em seu estilo. Destaque para o uso de novos barris de carvalho francês e predomínio de uvas tradicionais desta região francesa, como Cabernet Sauvignon e Merlot, muitas vezes acompanhadas da Sangiovese, a uva clássica da Toscana. Ainda assim, é importante a ressaltar que apesar de serem feitos com castas estrangeiras e seguindo novas tendências do consumo, são vinhos inconfundivelmente italianos. Para muitos críticos, o Tignanelo, por exemplo, não deixa de ser um Chianti, modificado e refinado.


Estes vinhos acabaram por afetar o próprio sistema de classificação de vinhos na Itália. O governo italiano reconheceu a popularidade e o prestígio destes vinhos e, no começo da década de 1990, adotou uma nova classificação, que passou a incluir vários destes vinhos. Estava criado o conceito de Indicazione Geografica Tipica (IGT), uma nova designação que deu aos produtores de vinho a capacidade de ser mais criativo.


Esta categoria permitiu que os produtores tivessem mais liberdade do que para aqueles vinhos dentro das classificações DOC e DOCG. Em paralelo, em teoria garantiria uma qualidade mais alta do que os vinhos de mesa não regulamentados. Atualmente, uma parte significativa dos Superstoscanos é classificada como Toscana IGT, embora existam diversas indicações geográficas com representantes que se encaixam neste conceito.


Atualmente, as regulamentações são menos restritivas, tanto que desde 1994 a Tenuta del Guido conta com o reconhecimento de uma subzona exclusiva para produzir o Sassicaia, chamada Bolgheri Sassicaia DOC. Essa subzona fica dentro da Bolgheri DOC, que hoje representa mais de 60 produtores, muitos dos quais elaborando Supertoscanos!


Deste modo, mais do que criar uma indicação geográfica com critérios mais exigentes para os vinhos que fogem dos cortes permitidos pelas denominações de origem mais antigas, a legislação foi além. Foram criadas denominações de origem onde o uso de uvas de origem francesa passou a ser a regra, e não a exceção.


Por conta do rápido aumento de produtores nesta e outras regiões, as vinícolas pioneiras na elaboração de Supertoscanos decidiram agir. Em dezembro de 2021 foi lançado o Comitato Historical Super Tuscans, uma associação de alguns dos produtores que deram origem aos Supertoscanos. Esta associação reúne os produtores do Chianti Classico que elaboravam os Supertoscanos até 1994, quando foi criada a Toscana IGT.


O Comitato Historical Super Tuscans conta atualmente com dezesseis vinícolas fundadoras. Além das pioneiras San Felice e Antinori, é composta por Montevertine, Castello di Monsanto, Castellare di Castellina, Isole e Olena, Badia a Coltibuono, Querciabella, Castello di Fonterutoli, Ambrogio & Giovanni Folonari, Riecine, Felsina, Castello di Volpaia, Castello di Ama, Castello di Albola e Brancaia.


A criação dos Supertoscanos deu origem ao renascimento do vinho italiano, banindo o conservadorismo, confirmando que vinho se faz não só de uvas, mas de pessoas e ideias.


Saúde!!! Aproveite para comentar se gostou ou não!!! (Este artigo está baseado em material disponível na internet, e minhas considerações durante a prova dos vinhos e pesquisas).


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