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  • Foto do escritorMarcio Oliveira - Vinoticias

“VINHO & GUERRA – PARTE 1”

O vinho é um dos grandes símbolos dos conflitos mundiais em solo europeu. Segundo o historiador francês Christophe Lucand (escreveu o Livro O Vinho e a Guerra), ele foi um ator decisivo na guerra. Foi amplamente utilizado nas fileiras francesas para manter homens na Frente Ocidental. O início do conflito coincidiu com colheitas muito abundantes. O mercado de vinho, saturado em 1914, encontrou uma maneira de vender esse produto, que também era muito procurado pelas tropas. E o mesmo aconteceu na Segunda Grande Guerra.

OS ANTECEDENTES DE 1914 - Embora as colheitas tenham declinado mais tarde durante o conflito devido à escassez de mão-de-obra e equipamentos, nas linhas de frente, o álcool ainda estava presente. Um terço da produção francesa foi requisitado para abastecer as tropas, que recebiam entre 10 e 15 milhões de hectolitros por ano.


Antes da guerra, o vinho não fazia parte das rações alimentares do exército, mas em 1914 os soldados franceses do front recebiam um quarto de litro de vinho por dia, depois dois quartos em 1916, antes de chegar a três quartos em 1918 (o equivalente a uma garrafa de 750ml/dia). Dizia-se que só embriagado se conseguia suportar o horror da guerra e ter disposição para matar, ou morrer!


O auge do "pinard" (vinho de qualidade duvidosa que era servido para a tropa) realmente veio com a Primeira Grande Guerra. Durante os quatro anos do conflito, era elogiado, glorificado em gravuras e em canções da época.


Para muitos desses soldados, o vinho também era uma novidade. Antes acostumados a álcoois industriais ou álcoois de frutas, eles descobriram o vinho pela guerra e mantiveram esse hábito de consumo assim que o conflito terminou. Após a Guerra, o vinho se tornou mais que uma mercadoria, virou um símbolo nacional. O "bom pinard tricolor" era amplamente utilizado pela propaganda. Os generais do exército francês não hesitavam em glorificar o vinho. O marechal Joffre, portanto, deu glória, no final da guerra, ao "general Pinard, que apoiou o moral das tropas".


NA RETAGUARDA FRANCESA - Há uma tendência de acreditar que o consumo de álcool mudou com a guerra. Lembre-se de que essa era uma prática já comum. O álcool havia se tornado um problema social no século XIX. Em 1905, estimava-se que o consumo médio de vinho nos subúrbios parisienses era de 317 litros por habitante (incluindo crianças, já que o vinho era visto como alimento e naquela época não havia a concorrência com sucos de frutas e refrigerantes).


O aumento no consumo de álcoois fortes, especialmente o absinto, foi atestado durante os primeiros anos do século XX (6.000 hl de absinto produzido em 1875, 200.000 hl em 1906). Em 1912, a Confederação Geral do Trabalho recomendou o boicote ao álcool, "assassino de energia e organizações proletárias". Finalmente, em 1914, a França tinha 480.000 estabelecimentos de bebidas, em resumo - um bar para cada 30 adultos.


No campo do consumo de álcool, as práticas de guerra passaram a desenvolver comportamentos já identificáveis antes de 1914. O consumo pesado de álcool era inegável no Front, mas também devido às populações da retaguarda. Este é particularmente o caso em setores onde o ritmo de trabalho estava aumentando. Em uma circular de 6 de fevereiro de 1917, Albert Thomas, que se tornou ministro de Armamentos, deplorou "o perturbador progresso do alcoolismo entre os trabalhadores que fabricavam acessórios e equipamento para a guerra".


Durante a guerra de 1914-1918, a distribuição de vinho aos soldados, já mencionada acima, foi um fator agravante do alcoolismo, um problema já colocado no século XIX. Isso explica várias medidas, como a de 1915, a proibição da venda de absinto e as restrições impostas à abertura de novos cafés. Dois anos depois, a lei que fora decretada em 1873, que reprimia a intoxicação pública, foi reforçada para reduzir o consumo excessivo. Quando Pasteur considerou o vinho a bebida mais higiênica, sua declaração terminou da seguinte forma: "Ao contrário do álcool".


No entanto, após a guerra, verificou-se que o consumo de vinho por habitante e por ano havia aumentado de 151 litros em 1900 para 172 em 1930. Isso mudou a maneira como encaramos a bebida, agora concebida como um fator de distúrbios fisiológicos, psicológicos e sociais, e a consequente política que levou às leis de 1990, regulando a publicidade a seu favor. Complementando as profundas mudanças na sociedade ocorridas no século XX, elas ajudaram a reduzir o consumo para 50 litros per capita em 2000.


O fato é que o vinho há muito é considerado um valor patriótico francês, como evidenciado em 1958 por um discurso de Joseph Génie, presidente da câmara de comércio, de 1941 a 1962, e também proprietário de videiras em Cabardès e negociante de vinhos: “O vinho não esteve sempre presente nos maiores tempos econômicos da nossa história? Não foi vinho usado ao lado de nossos soldados de 1914 e 1944 para celebrar nossas vitórias? Você quase poderia dizer que ele estava misturado com o sangue de nossos soldados nos combates, ou pelo menos que ele animou a coragem deles para melhor defender a terra de nossos ancestrais ”.


EM LYON - Em Lyon, havia muitos soldados em trânsito, muitos convalescentes e trabalhadores que procuravam se ocupar e se divertir durante a Primeira Guerra. Os cafés eram então muito populares e havia muitos casos de intoxicação noturna, principalmente de soldados, como no popular distrito da Place du Pont (atualmente Place Gabriel Péri, no 3º arrondissement). A polícia foi muitas vezes impotente, apesar das tentativas de supervisão: ordens que regulavam o consumo de álcool e fechamento de estabelecimentos. Entre outubro de 1915 e setembro de 1919, foram pronunciadas cerca de 200 medidas administrativas de fechamento contra cafés em Lyon.


Para reduzir a frequência de cafés, as autoridades militares e civis criaram salas reservadas para soldados, para que eles pudessem se divertir graças a jogos de bolas ou dardos, por exemplo. Todas essas estruturas tinham o mesmo objetivo: combater o alcoolismo e preparar o soldado para o período pós-guerra.


Para os civis, os esforços em educação em higiene no sentido amplo, iniciados no final do século XIX, foram reforçados por palestras, cursos ... voltados principalmente para a população trabalhadora. Formada pelo sindicato, em 1905, da União Anti-Alcoólica Francesa, da Sociedade Francesa de Temperança e da Universidade Star, era uma organização que lutava contra o alcoolismo.


Possuía quase 50.000 voluntários, incluindo muitas professoras e feministas, já que o álcool era frequentemente associado à violência doméstica, e também sindicatos para os quais o álcool dividia naturalmente a classe trabalhadora e impedia o acesso ao seu sindicato, beneficiando assim os empregadores. Em um clima de indiferença geral, a Liga organizava ações para prevenir e combater o alcoolismo na França. Devemos a ela, notadamente, a famosa campanha para proibir o absinto, em 1905, mas também muitas campanhas realizadas durante a guerra.


A ALEMANHA DURANTE E LOGO APÓS A PRIMEIRA GUERRA - Com relação às consequências da subnutrição, observava-se em março de 1916 que a população de Berlim estava enfrentando um rosto cada vez mais esquálido de semana para semana. Os ossos da mandíbula sobressaiam e a pele sem gordura enrugava.


A fome e a miséria assumiam dimensões ainda mais dramáticas no que foi conhecido como o "Inverno dos Nabos" em 1916/1917. Após uma colheita ruim, as batatas, alimento básico para a população alemã, estavam tão escassas que deviam ser substituídas por nabos. Enquanto em 1913 o consumo médio de um adulto era de quase 3.000 calorias por dia, esse consumo caiu em 1917 na maioria das vezes para menos de 1.000 calorias.


O desencadeamento da Primeira Guerra Mundial e seu trágico fim para o povo alemão, teve como resultado principal o Tratado de Versalhes, extremamente prejudicial para a economia alemã, pondo fim ao império e iniciando-se a República de Weimar.


O povo alemão sempre associou a fraqueza pós-Primeira Guerra Mundial e o Tratado de Versalhes à República de Weimar. Por isso, era comum um saudosismo dos tempos de Império, de uma Alemanha forte, poderosa e cheia de glórias, em vista do novo sistema de governo, cheio de vergonhas e humilhações. A Primeira Guerra Mundial devastou a economia alemã. Se comparado o ano de 1913 com o de 1919, a produção industrial recuou 57% e a agrícola 50%.


A mortalidade geral aumentava acentuadamente. Lenta, mas seguramente, caminhando em direção a uma fome geral como resultado da Guerra. Até 1919, dezenas de milhares de pessoas morreram na Grande Berlim como resultado dessa fome. Durante os anos de guerra, a mortalidade infantil aumentou em 50% e o dobro de mães morreu de parto do que antes da guerra. Em 1917, o número de nascimentos em Berlim foi menos da metade do que era em 1913.


Gripe, tuberculose e outras doenças se espalharam como resultado do sistema imunológico enfraquecido. O crescimento das crianças foi muito menor que o da geração anterior. Em Berlim, também em Hamburgo e nas grandes cidades da região do Ruhr, você poderia ver nas ruas pessoas esqueléticas de todas as idades e em quantidades que não se viu desde a fome de 1846/47 (safras muitas ruins seguidas pela Revolução de Março na Alemanha). As "cozinhas populares" instaladas para alimentar a população que perambulava pelas ruas com refeições relativamente baratas, podiam apenas mitigar suficientemente os efeitos da miséria.


Havia uma grande preocupação entre o alcoolismo e a liberdade sexual na época da Primeira Guerra. Ao mesmo tempo, a ausência na cidade de médicos que estavam atendendo os feridos nas linhas de frente de batalha era dolorosamente sentida. Ao contrário da situação pré-guerra, as doenças venéreas não eram mais combatidas com eficácia suficiente. As brochuras de divulgação alertavam, sobretudo para a população feminina, sobre o consumo excessivo de álcool considerado, em geral, como um "caldo de cultura" da "imoralidade".


A Alemanha, como nação derrotada, foi forçada a assinar o Tratado de Versalhes em 28 de junho de 1919. Entre os postulados do Tratado, constava que a Alemanha deveria assumir toda a culpa pela guerra, ceder territórios, reduzir seu poder bélico e pagar uma indenização, cujo valor seria estipulado posteriormente.


O Tratado de Versalhes complicou de vez a já sufocante situação da Alemanha, que estava arruinada pelos danos da guerra. Com o objetivo de saldar as dívidas da guerra, tornou-se um país deficitário, passando a importar capital. O povo alemão viu, nas exigências do Tratado, uma humilhação ao país, o que gerou um sentimento de grande revolta e vingança.

Na realidade, o Tratado pode ser encarado como uma vingança dos franceses pelas humilhações sofridas na guerra Franco-Prussiana (1870 - 1871), visto que nem os ingleses, nem os americanos apoiaram todas as cláusulas do acordo de Paz. O Tratado causou seríssimos danos morais e econômicos à Alemanha e, pode-se dizer, sem receio, que abriu caminho para a “vingança” alemã na Segunda Guerra Mundial.


OS ANOS “PERDIDOS” - As dívidas da Primeira Guerra suscitaram numerosas questões políticas e repercussões nas atividades econômicas. Entre os aliados (Inglaterra, França Estados Unidos, Itália) os débitos com armas e suprimentos dos europeus decorriam dos empréstimos obtidos junto aos Estados Unidos, que entraram na guerra somente em 06 de abril de 1917.


As obrigações de guerra, impostas à Alemanha, levaram a França, a principal credora – a que mais havia sofrido com a ocupação de seu território e perda de milhões de vidas – a exigir, persistentemente o cumprimento das normas do Tratado de Versalhes. Essas imposições acarretariam, como de fato ocorreu, empecilhos à fluência do intercâmbio, além de atrasar o desenvolvimento da economia alemã, altamente industrializada, e sua relevância para a Europa. O empenho para enfrentar as questões decorrentes dessas enormes obrigações foi um dos fatores a desencadear a instabilidade financeira dos anos 1920.


As dívidas e reparações de guerra complicaram ainda mais as dificuldades da Europa. Entre 1924 e 1929 as potências vitoriosas receberam quase dois bilhões em indenizações da Alemanha. Elas repassaram uma parte para os Estados Unidos na forma de pagamentos do principal e de juros sobre dívidas assumidas durante a guerra.


Neste ciclo de pagamentos, as transferências iniciavam-se com os empréstimos norte-americanos à Alemanha. Esta, por sua vez amortizava as reparações de guerra devidas, aos aliados, Inglaterra, França, principalmente, as quais, por sua vez ressarciam os norte-americanos dos empréstimos contraídos durante a Guerra. As transações financeiras projetaram os Estados Unidos, e consequentemente Wall Street, como a sede bancária do Ocidente capitalista.


A Queda da Bolsa de Nova York teve resultados desastrosos para todo o mundo e afetou a relação entre os países que lutaram na Primeira Guerra. Além disto, por volta de 1930, os países produtores de carne e de açúcar, a exemplo da Argentina, Cuba, e cafeicultores como o Brasil, sofreram profunda recessão devido à queda substancial dos preços desses produtos. Os países do Leste europeu, por outros motivos, também sofreram restrições a seus produtos agrícolas. Essa situação atingiu África e Ásia.


Toda essa crise criou as situações que culminaram na Segunda Grande Guerra, pois alguns países adotaram regimes totalitários, outros acolheram um nacionalismo mais estreito, procurando evitar o desastre mediante políticas batizadas de populistas. Se o desemprego era a norma nos países desenvolvidos, o subemprego assolava os produtores agrícolas.


A Primeira Guerra Mundial foi a crise que marcou o início da agonia do século XIX, uma agonia que haveria de se estender por vinte anos. A real crise do mundo moderno é o colapso final e irrevogável das condições que tornaram possível a ordem do século dezenove. A antiga ordem não podia mais ser restaurada, e uma drástica mudança de perspectiva era inevitável.


Terminada a guerra, o grande projeto das grandes potências passou a ser a volta à ordem do século XIX e não a busca de novos arranjos. Em 1919, a grande novidade era, sem dúvida, a Liga das Nações mas, além da ausência formal dos Estados Unidos, a política internacional continuou sendo conduzida basicamente dentro dos padrões do século XIX, tanto no âmbito da própria Liga quanto nas iniciativas tomadas à margem dos órgãos da entidade recém-criada. Cada potência tinha seus próprios objetivos e cabia a elas, individualmente, empregar os meios de que dispusessem para implementá-los.


Era preciso, ainda que com tristeza, reconhecer que aquele mundo, aparentemente ordenado e seguro, estava definitivamente condenado apenas a ser uma doce lembrança de uma belle époque. Nesse quadro, os esforços de reconstrução foram entendidos tanto como investimentos para recompor a infraestrutura econômica física destruída ou danificada pela guerra quanto como a retomada das práticas e instituições do pré-guerra.


Na próxima semana continuamos o assunto com Vinho e Guerra durante a Segunda Grande Guerra !!! Saúde !!!


(Baseado em informações sobre o mercado de Vinhos durante o Século XX, especialmente durante as Grandes Guerras, encontradas na internet e que serviram de base para a Live “Vinho e Guerra” de 30/04/2020).

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