A uva Tannat é uma variedade vinífera francesa, da região de Madiran e desembarcou na América no século XIX chegando primeiramente na Argentina e depois ao Uruguai, onde é um emblema nacional.
Mas engana-se quem acha que ela se desenvolve apenas lá, uma vez que esta casta é uma das variedades utilizadas na produção de vinhos na Campanha Gaúcha, conforme descobrimos em recente roteiro pela região.
O provável berço da uva Tannat é o território entre o sul da França e o País Basco (nordeste da Espanha), conhecido como Pireneus. O fruto vem de uma família de uvas que está presente na região desde o Império Romano.
De acordo com o guia “Wine Grapes”, de Robinson, Harding e Vouillamoz, a primeira vez que a Tannat foi mencionada foi no ano de 1783. Seu nome deriva do dialeto da região de Béarn e significa “tostada, bronzeada”, uma provável referência à coloração escura da uva.
Já no século 19, a casta se popularizou na França graças à sua alta produtividade. Até hoje, permanece sendo muito cultivada na região de Pireneus, ao sul do país, no Madiran e em Saint-Mont, território vizinho, a casta também compõe a maior parte do corte vinícola (cerca de 60%), junto com a Cabernet Franc e a Cabernet Sauvignon. Vale dizer que ela também é encontrada em outras áreas do sudoeste, como Irouleguy, Béarn, Tursan, Côtes du Brulhois e Cahors, onde entra em pequenas porcentagens junto com a Malbec.
Nesta mesma época, foi trazida à América do Sul, primeiro à Argentina e depois ao Uruguai, onde acabou se desenvolvendo muito bem e se espalhando com rapidez. No Uruguai também é chamada de Harriague, em homenagem a Don Pascal Harriague, o imigrante basco francês responsável por difundir a casta no país (ele trouxe 14 mudas para plantar e desenvolver seu vinhedo). Em 1870, ele criou um vinhedo da uva a cerca de 400km ao norte de Montevidéu, na cidade de Salto. Atualmente, ela é a mais plantada do país e pode aparecer em blends junto a Merlot e a Pinot Noir. Foi a partir da década de 1970, com o avanço das técnicas de vinificação e o estabelecimento das regiões vinícolas do país, que a Tannat se tornou a varietal mais importante do país.
Além do Uruguai e do sul da França, a Tannat é cultivada na Argentina, no Peru, no Rio Grande do Sul (Brasil), em pequenas plantações na Sicília, no sul da Itália, em maior extensão na Califórnia, nos Estados Unidos, e em algumas plantações nos estados da Virgínia, Illinois e Geórgia. Também são encontradas pequenas quantidades na Austrália, na Suíça, na África do Sul e no Japão.
Com notas de frutas negras como amora, groselha, cereja e também tabaco e couro, os aromas típicos do vinho Tannat são bastante marcantes. Por sua estrutura, na maior parte dos casos requer passagem por barricas de carvalho, que permite a estabilização da cor e polimerização dos taninos, tornando-os mais doces e elegantes. A barrica também aporta complexidade aromática, e deve ser usada com cuidado para que a fruta seja sempre o destaque.
Dois estilos são bem marcantes quando falamos sobre Tannat: o chamado estilo francês do Madiran, e o estilo uruguaio.
● Tannat de Madiran - O Tannat francês se inclina mais facilmente para sabores de frutas vermelhas, como framboesa, taninos mais firmes e poder inconfundível.
Costuma-se dizer que a uva Tannat é um pouco camaleônica e brilha de maneira diferente dependendo de onde é cultivada. Tradicionalmente, o Tannat do Madiran é um vinho encorpado, com taninos e acidez marcantes. Por esta razão, muitas vezes é misturado com Cabernet Sauvignon ou Cabernet Franc para aliviar a tanicidade (adstringência). Ainda assim, a lei francesa exige um mínimo de 60% de Tannat em vinhos rotulados como “Madiran AOC”. Dito isto, muitos vinicultores regionais optam por 100% Tannat porque adoram o material. Em conclusão, espere que o Tannat francês tenha taninos fortes, uma cor opaca de “vinho preto”, álcool elevado e precisando de tempo de guarda em adega para poder ser provado. Tente esperar por uma década (se você puder esperar tanto tempo!).
● Tannat do Uruguai - No Uruguai, os taninos parecem mais maleáveis e macios na abordagem, enquanto os perfis de frutas são principalmente frutas pretas, como amora, cereja preta e ameixa. Os vinhos mostram uma elegância marcante.
Dando um gole num Tannat do Uruguai, você encontrará um estilo mais descontraído, informal e criativo. Intencionalmente misturado com uma variedade de uvas para suavizar sua estrutura firme, não é incomum encontrar o Tannat do Uruguai misturado com Pinot Noir, Merlot, Tempranillo, Syrah ou até mesmo com a Cabernet Sauvignon, onde sabores de frutas suaves e sinérgicos ajudam a domar os taninos de alta intensidade do Tannat.
A área de produção dessa uva é muito similar na França e no Uruguai: em ambos os casos, as plantações de Tannat ocupam cerca de 3 mil hectares. Para o país europeu, entretanto, esse número equivale a 0,3% do total; já para o sul-americano, representa 36%, sendo a principal cepa da região.
Mesmo sendo exatamente a mesma uva, as condições climáticas, o solo e as técnicas de vinificação – ou seja, o terroir – de cada um dos países fazem com que os vinhos produzidos sejam muito diferentes. Na França, graças ao clima mais frio, as uvas não desenvolvem tantas características frutadas, gerando vinhos muito adstringentes e secos. Por essa razão, muitas vezes são feitos blends com Cabernet Sauvignon ou Cabernet Franc, suavizando a bebida. Já no Uruguai, os taninos são mais macios e as nuances de frutas negras são mais abundantes.
Graças aos imigrantes franceses que trouxeram suas uvas de sua cidade natal para o Uruguai no final de 1800, as videiras Tannat foram prontamente cultivadas e desde então se tornaram a variedade de uva dominante do país, representando com entusiasmo mais de um terço das plantações do país.
Seja no vinho francês ou no uruguaio, a cor do vinho, extremamente intensa, fala muito: a coloração é roxo escura, levemente azulada, às vezes até se assemelhando a jabuticabas, e as cascas são bastante grossas e resistentes.
Essas características também são observadas em taça: os rótulos produzidos com a Tannat são conhecidos por sua cor intensa, com bordas violáceas. O vinho chega a ser tão escuro que, muitas vezes, não apresenta nenhuma translucidez.
Os aromas e sabores mais comuns relacionados a esses vinhos são de frutas negras (groselhas e ameixas) e especiarias (canela e cardamomo). Também pode conter notas de chocolate amargo e fumaça.
Um fato importante é que muitos dos vinhos Tannat são envelhecidos em barris de carvalho, processo que deixa os taninos mais aveludados e auxilia no desenvolvimento da bebida. É uma uva para quem de fato aprecia vinhos, com grande carga fenólica e um nível bastante alto de acidez e álcool. Quando bem elaborados, são vinhos com grande potencial de envelhecimento e tornam-se mais interessantes e delicados com alguns anos em garrafa.
● Harmonizações – por conta dos seus taninos firmes, a Tannat “pede” por alimentos que tragam alta proteína e alta gordura para a mesa. As gorduras e proteínas suavizam a qualidade intensa e envolvente dos taninos elevados. As combinações felizes de carne bovina (churrasco), salsicha, cassoulet, cordeiro assado, confit de pato e queijos envelhecidos variados (Roquefort ou Chaumes) servirão com prazer para suavizar os taninos e amplificar a rica experiência da própria comida.
Quando falamos em carnes vermelhas, podemos escolher pratos com bastante intensidade de sabor e gordura, como hambúrgueres, picanha ou costela bovina, linguiça suína e carnes de caça. O preparo na churrasqueira pode melhorar ainda mais graças às notas defumadas, presentes tanto na bebida quanto na comida.
E como o cassoulet é uma “feijoada branca”, muita gente acredita que a Tannat seja um belo acompanhamento para a feijoada brasileira, criando uma experiência gastronômica memorável!
● Tannat e benefícios para a saúde – se você já ouviu falar no resveratrol, aquele polifenol responsável pela maioria dos benefícios presentes nos vinhos tintos, ficará surpreso ao descobrir que a maior concentração da substância está presente nos vinhos que contém mais tanino e, Tannat, como o próprio nome sugere, é campeão nos taninos que preenchem a boca! A uva em si apresenta cascas extra grossas e alta contagem de sementes (geralmente 5 sementes por uva em vez do padrão 2-3). Esses atributos contribuem para compostos polifenólicos robustos no vinho.
● Como os enólogos domam a Tannat - Os produtores de vinho adoram a uva Tannat porque suas cascas grossas o tornam:
- relativamente fácil de crescer em uma variedade de condições climáticas (especialmente secas)
- menos propensos a serem atacados por pragas de vinha, fungos e mofo
- menos suscetível às variações de temperatura fria e à temida geada.
E para criar vinhos mais suaves, fugindo do estilo rústicos que alguns vinhos mostram, os enólogos trabalham com:
- Envelhecimento em barril de carvalho – enquanto o carvalho introduz taninos de madeira, também permite uma entrada constante de oxigênio no vinho, o que ajuda o vinho a ter um sabor mais suave.
- A microoxigenação – (também conhecida como “microOX” ou “microbullage” em francês) – é o processo de introdução de pequenas quantidades de oxigênio durante o processo de vinificação para suavizar a estrutura dominante e tornar os vinhos mais acessíveis em uma idade mais jovem. Não à toa, foi no Madiran que foi desenvolvida a técnica de micro oxigenação, que consiste na injeção de volumes microscópicos de oxigênio no vinho durante sua maturação, estimulando o “arredondamento” dos taninos, para que tenhamos um vinho mais macio já em sua juventude.
- Envelhecimento prolongado – uma das vantagens de envelhecer um vinho que é construído para envelhecer (ou seja, carrega taninos altos e alta acidez) é que, com o tempo, os taninos do vinho se quebram e amolecem por conta própria.
Atualmente na França as 20 castas mais importantes representam 86% das vinhas. Disto nasce uma consciência pela conservação destas variedades, que precisam defender para promover a especificidade da nossa produção nacional. Falar de Tannat hoje implica contribuir para a diversidade de vinhos, gostos e emoções. O fato de estar presente no Uruguai garante que esta mensagem seja também difundida em todo o continente americano onde predominam grandes variedades de uvas internacionais, especialmente as que tem grande quantidade de polifenóis, origem do paradoxo francês. Falar sobre isso é bom, beber é ainda melhor! Saúde !!
Aproveite para comentar se gostou ou não!!! (Este artigo está baseado em material disponível na internet, e minhas considerações durante a prova dos vinhos e pesquisas).
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