“O CARVALHO E O VINHO”
- Marcio Oliveira - Vinoticias
- há 4 dias
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Mais uma pergunta numa degustação que orientei nesta semana me chamou atenção: o carvalho ajuda na longevidade dos vinhos?

O envelhecimento de vinhos em barris de carvalho é uma tradição centenária que transforma profundamente suas características. Mas como exatamente esse processo influencia os aromas, sabores, a estrutura e a longevidade do vinho?
Durante milênios, ânforas e bolsas de couro foram utilizadas para armazenar e carregar vinho, contudo, com o crescimento do comércio no Império Romano, esse uso passou a se tornar inviável. Foi exatamente por isso que nesse período os barris ganharam espaço. As barricas eram mais leves em comparação às ânforas, ao mesmo tempo em que possibilitavam o armazenamento de volumes maiores.
Outra vantagem é o seu formato, que facilitava o transporte durante os processos de embarque e desembarque. Além disso, a limpeza era relativamente simples, e, em caso de danos, o conserto era mais fácil. Com a popularidade das barricas de carvalho, os vinicultores começaram a perceber que o vinho armazenado adquiria características únicas, nascendo assim, uma tradição que persiste até hoje.
Existem muitos tipos de madeira, mas o carvalho se destaca por suas propriedades singulares. Madeiras como castanho, cerejeira, nogueira, entre tantas outras, foram testadas como recipientes, mas o carvalho demonstrou ser a escolha mais acertada.
O carvalho é a madeira mais resistente, leve, relativamente maleável para a montagem de barris, e possui porosidade adequada que permite uma interação sutil entre o vinho e o oxigênio do ambiente, levando a uma maturação e oxidação controladas.
Com mais de 250 espécies, algumas se destacam na fabricação de barricas, notadamente o Quercus alba, conhecido como “carvalho americano”, o Quercus robur e Quercus petraea (ou Quercus sessilis), abundantes nas florestas francesas.
O Quercus alba é natural do leste dos Estados Unidos e tende a ser mais poroso, possibilitando uma interação mais intensa entre a madeira e o vinho, resultando em sabores mais evidentes. Ele pode aportar notas de baunilha, coco, manteiga e outras nuances adocicadas, que quando a tosta da madeira é feita em temperaturas muito altas, dão lugar a toques de açúcar mascavo e caramelo. Além disso, ele apresenta baixos índices de fenólicos, substâncias que dão estrutura ao vinho,
As outras duas espécies europeias – Quercus robur e Quercus petraea – chamados genericamente de “carvalho francês”. Com extensas reservas, a França é reconhecida como a principal fonte de carvalho na Europa, tendo suas florestas asseguradas pela Agência Florestal Francesa – ONF, que garante a qualidade da produção de carvalho, bem como a sua longevidade. Para utilizar uma árvore na produção de uma barrica, ela precisa ter no mínimo 150 anos!
O carvalho francês e o americano são os mais utilizados na produção de vinhos, cada um com características distintas que afetam o resultado do vinho. O carvalho francês tende a proporcionar uma micro-oxigenação mais lenta e controlada, enquanto o americano pode adicionar mais aromas e sabores amadeirados.
O carvalho francês é mais sutil e refinado, confere notas de especiarias e taninos suaves, sendo frequentemente escolhido para vinhos elegantes e complexos. Já o carvalho americano é conhecido por liberar mais rapidamente os aromas de baunilha, coco e sabores adocicados, sendo ideal para vinhos mais encorpados e intensos.
As barricas de carvalho são mais do que simples recipientes de armazenamento. Elas oferecem um ambiente único, permitindo que o vinho respire, evolua e absorva os sabores sutis da madeira. Nas mãos de um enólogo habilidoso, as barricas são instrumentos que podem levar o vinho a um alto nível de complexidade.
A idade da barrica também faz diferença no resultado. Barricas novas, de primeiro uso, têm maior influência no vinho, pois ainda possuem muitos compostos para liberar. É nesse momento que haverá maior troca e aporte mais intenso de aromas e sabores. Com o uso contínuo, essa influência diminui. No terceiro uso, é quase imperceptível a presença da madeira, tornando a barrica basicamente um recipiente inerte. Assim, os produtores podem optar por barricas de carvalho usadas se desejarem apenas a micro-oxigenação sem adicionar muitos sabores da madeira.
O tamanho da barrica de carvalho também desempenha um papel significativo. Barricas maiores têm uma área de contato menor entre o vinho e a madeira, resultando em uma influência mais sutil. As barricas menores, por outro lado, oferecem uma interação mais intensa e maior transferência de aromas e componentes.
Quando um vinho passa por barris de carvalho, ocorre uma troca de compostos entre a madeira e o líquido, havendo um acréscimo de aromas únicos, como:
- Baunilha: Comum em vinhos envelhecidos em barris de carvalho americano, a baunilha adiciona um toque suave e adocicado.
- Chocolate: Comum em vinhos envelhecidos em barris de carvalho francês, adiciona um toque intenso de chocolate.
- Especiarias: Notas de cravo, canela e noz-moscada podem surgir, proporcionando complexidade aromática.
- Torrado e Defumado: O processo de tostar o interior dos barris confere aromas que lembram pão torrado, café ou tabaco, principalmente em vinhos tintos mais encorpados.
Esses aromas provenientes do barril somam-se aos já presentes nas uvas, criando um perfil aromático mais complexo e sofisticado.
O envelhecimento em barril não altera apenas o aroma, também influencia profundamente os sabores do vinho. O carvalho interage com os taninos e outros componentes, resultando em camadas de sabores que se desdobram na boca. Entre os sabores que podem emergir, destacam-se:
- Caramelo e Chocolate: O contato com o carvalho pode dar origem a notas doces e intensas de caramelo ou até mesmo chocolate, especialmente em vinhos tintos robustos.
- Coco e Coco Queimado: Algumas variedades de carvalho, como o americano, conferem ao vinho sabores exóticos, como coco ou coco queimado, adicionando uma dimensão tropical inesperada.
- Frutas Secas e Mel: Em vinhos brancos, o barril pode intensificar notas de frutas secas, como amêndoas ou avelãs, além de nuances de mel.
O carvalho, especialmente o francês, possui poros menores e uma textura mais densa, o que permite uma oxigenação lenta e controlada do vinho. Essa micro-oxigenação gradual impede que o vinho envelheça rapidamente e contribui para uma evolução mais lenta e equilibrada.
Além disto, o carvalho também contribui para a extração de compostos aromáticos, como o vanilino e o estrógeno, que são responsáveis pelos aromas e sabores características da madeira. Esses compostos, em conjunto com a micro-oxigenação, contribuem para a complexidade e longevidade do vinho.
A acidez natural do vinho se integra melhor após o contato com o barril, proporcionando um equilíbrio entre frescor e robustez. Esse equilíbrio é essencial para que o vinho tenha um bom potencial de envelhecimento.
O carvalho também contribui para uma sensação de corpo mais denso e volumoso. Vinhos brancos, como os Chardonnay, adquirem uma textura cremosa quando envelhecidos em barril, enquanto vinhos tintos podem ganhar maior estrutura e persistência. O carvalho, em especial nos vinhos tintos, ajuda a amaciar os taninos, tornando-os mais sedosos e elegantes. Isso é especialmente importante em vinhos que envelhecem por longos períodos, resultando em uma sensação de boca mais aveludada.
A tosta do carvalho também influencia a intensidade dos aromas e sabores que o vinho adquire. Uma tosta mais leve tende a ser mais sutil, enquanto uma tosta mais intensa pode adicionar mais complexidade ao vinho.
Em resumo, o carvalho, através da micro-oxigenação e da extração de compostos, pode aumentar a longevidade de um vinho, contribuindo para um envelhecimento mais gradual e equilibrado. Este processo ajuda a suavizar os taninos, tornando-o mais encorpado e com um final mais longo.
Agora que já conhece mais sobre os efeitos do carvalho, uma sugestão é provar um vinho da mesma uva (um Chardonnay, por exemplo) que passou por barrica e outro que não passou e comparar a complexidade de elegância entre estes dois produtos.
Saúde!!! Aproveite para comentar se gostou ou não do artigo!!! (Este artigo está baseado em material disponível na internet, e minhas considerações em relação ao tema).
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