“O RECONHECIMENTO DOS VINHOS MINEIROS”

Vinhos de Minas Gerais têm conquistado reconhecimento em concursos internacionais, como o Decanter World Wine Awards. A técnica da dupla poda, utilizada em Minas, tem sido um fator importante para a qualidade dos vinhos premiados.

É um erro acreditar que toda a força da produção vinícola brasileira esteja concentrada somente na região Sul do país. De fato, a vitivinicultura nacional ganhou destaque recentemente, com representantes de destaque das regiões Nordeste, Centro-Oeste e Sudeste - especialmente com vinhos premiados de Minas Gerais, que se destacaram em competições internacionais.

Os vinhos brasileiros conquistam 145 prêmios no recente Decanter Wine Awards, com destaque para o Isabela Syrah 2023, da vinícola Maria Maria, que recebeu Medalha de Ouro, com 96 pontos. Além dele, outras vinícolas brasileiras trouxeram 48 pratas e 96 bronzes.

A poda dupla é uma técnica de manejo de vinhedos, utilizada principalmente na região Sudeste do Brasil, onde as videiras são podadas duas vezes ao ano. A primeira poda, no final do outono e início do inverno, remove todos os cachos durante a colheita das uvas para iniciar um ciclo vegetativo (no limite ela ocorre em agosto). A segunda poda, no verão – geralmente no mês de janeiro, induz um ciclo reprodutivo, permitindo o amadurecimento das uvas durante o outono-inverno, quando o clima é mais frio e seco, o que tem mostrado resultado na qualidade do vinho. A dormência dos vinhedos nesta região do país no verão, é despertada geralmente depois do carnaval com o uso do Dormex (cianamida hidrogenada), um estimulante cujo objetivo é uniformizar a brotação das gemas, que deve ser aplicado sempre após a poda de formação e de produção. Este método tem sido particularmente eficaz para variedades como Syrah, Sauvignon Blanc e Cabernet Franc.

No Sudeste brasileiro, os meses de verão são quentes e chuvosos, o que pode impactar negativamente a qualidade das uvas. A dupla poda permite o amadurecimento das uvas durante o outono-inverno, mais frio e seco, o que é mais propício à produção de vinhos de qualidade. Ao colher durante os meses mais frios e secos do inverno, as uvas passam por condições que favorecem o desenvolvimento de compostos fenólicos e açúcares durante o amadurecimento. Isso melhora significativamente a qualidade da uva e contribui para a produção de vinhos premiados.

Os vinhos produzidos por esse método vêm ganhando espaço no mercado graças à sua qualidade excepcional, posicionando-se como referência de excelência e garantindo seu lugar na crescente categoria de vinhos de inverno. Os recentes resultados obtidos na Decanter Awards premiaram a Vinícola Maria Maria - localizada na Fazenda Capetinga, em Boa Esperança, Minas Gerais - com o vinho Isabela Syrah 2023 com a Medalha de Ouro com 96 pontos na Decanter segundo o Brasil de Vinhos. Diversas outras vinícolas de Minas Gerais também foram premiadas, incluindo Bárbara Eliodora, Casa Geraldo e outras. Lembremos que a Vinícola Sacramentos com seu vinho Sacramentos Sabina Syrah já havia recebido Medalha de Prata na Decanter World Wine Awards 2022.

O sucesso do método ultrapassou as fronteiras mineiras e diversas vinícolas em Minas Gerais e outras regiões do Brasil adotaram a técnica da dupla poda, como Guaspari (São Paulo), Maria Maria, Luiz Porto, Casa Geraldo, Stella Valentino, UVVA e Vaz (Chapada Diamantinense na Bahia) entre tantas outras. Em Goiás e no Distrito Federal, algumas vinícolas já estão instaladas. Entre elas, a Villa Triacca e Marchese Vinhos (DF), e Casa Moura e Monte Castelo (GO) são reconhecidas por premiações em concursos internacionais. Além dessas, outras vinícolas como Quartetto Vinhos & Vinhedos, Ercoara, Pireneus Vinhos e Vinhedos, e Vinícola Serra das Galés também merecem destaque.

Mas este sucesso não teria acontecido sem o trabalho de várias pessoas envolvidas no desenvolvimento do método da dupla poda como Murillo Regina de Albuquerque. Engenheiro agrônomo e pesquisador da Epamig, é o principal desenvolvedor da técnica da dupla poda. Ele iniciou os testes e experimentos com a técnica ao retornar de um pós-doutorado na França, onde observou semelhanças entre as condições climáticas do inverno no sul de Minas Gerais e as condições para produção de vinhos finos na Europa.

Atualmente trabalha como consultor para vários produtores, e é sócio da empresa que desenvolve mudas para a demanda crescente - a Vitacea Brasil. Vale a pena citar também Patrick Arsicaud e Thibaud Salettes, parceiros de Murillo na França, que forneceram as primeiras mudas de videiras para o projeto. A Vinícola Estrada Real, fundada em 2001 por Murillo e seus sócios Marcos Arruda, Patrick Arsicaud e Thibaud Salettes, foi a pioneira na implementação da dupla poda em seus vinhedos. O primeiro vinhedo de dupla poda foi plantado em Três Corações com a uva Syrah.

 Outro pioneiro é Procópio Valentino, que tem uma história de 115 anos para contar. Sua família iniciou o plantio de uvas em 1910, em Andradas (MG), e ele é um dos responsáveis pela evolução da qualidade da bebida na região da Mantiqueira, especialmente a técnica da dupla poda. Agrônomo de formação, ele é um apaixonado pelo cuidado com as uvas. Sua coleção de cerca de 60 variedades é tratada com dedicação de um jardineiro e com todo rigor científico. Ele avalia os parâmetros de cada casta por um período de quatro anos, incluindo a curva de maturação das uvas, antes de iniciar a vinificação. Trabalha com variedades híbridas, como a tinta Maximo e a branca Lorena, e com viníferas, com destaque para a Syrah, tão bem adaptada às safras de inverno da Mantiqueira, e a Tempranillo, uma novidade na região. É dela que extrai seu melhor rótulo (na minha opinião) - o Tempranillo Grand Reserva da Stella Valentino, equilibrado, com estrutura para evoluir por dez anos ou mais até chegar ao apogeu. Procópio encontrou as mudas da Tempranillo na Rasip, empresa do grupo Randon, que atua em diversos segmentos do agronegócio e de implementos rodoviários.

Embora a casta Syrah tenha apresentado resultados promissores com a poda dupla, outras variedades como Sauvignon Blanc e Cabernet Franc também demonstram potencial.

O método, entretanto, merece considerações, porque a dupla poda exige mais mão de obra em comparação com a poda simples. Além disto, embora a poda dupla possa melhorar a qualidade do vinho, também pode levar a uma diminuição na produtividade geral, criando estresse da videira, o que pode sobrecarregar as plantas, potencialmente encurtando sua vida útil produtiva. É, portanto, um método adequado para variedades de uvas mais resistentes e vigorosas, como a Syrah, que podem suportar o aumento do estresse.

Embora as regiões sudeste e centro-oeste tenham mostrado aptidão para o cultivo de castas viníferas sob o regime de dupla poda, há outros fatores igualmente importantes para o sucesso dessa técnica. Entre eles, destaca-se o uso correto de porta-enxertos, que desempenham um papel vital na adaptação das videiras às condições climáticas e ao controle de doenças. O porta-enxerto é a parte da planta que fica em contato com o solo e na qual são enxertadas as variedades viníferas, como a Syrah, por exemplo. Ele confere resistência à planta contra pragas e doenças, como a filoxera, além de ajudar a videira a lidar com as condições adversas do solo. No caso da técnica de dupla poda, o porta-enxerto é ainda mais relevante por dois motivos principais.

Primeiro a questão de resistência e vigor da videira, já que a dupla poda exige que a planta passe por dois ciclos de crescimento em um único ano. Esse processo intensifica o estresse fisiológico sobre a videira, e é aqui que a escolha de um porta-enxerto resistente faz diferença. Porta-enxertos mais vigorosos ajudam a planta a suportar esse ciclo duplo, garantindo que ela continue saudável e produtiva ao longo do tempo. Além disso, aumentam a capacidade de a planta de acumular reservas nutricionais durante o descanso vegetativo, essenciais para um ciclo de frutificação bem-sucedido no inverno.

Segundo, há a questão da adaptação climática: regiões onde a dupla poda é utilizada, como Minas Gerais e São Paulo, têm solos e climas bastante diferentes dos encontrados nas regiões vinícolas do sul. Porta-enxertos que conferem tolerância a solos secos e compactos ou que melhoram a absorção de água são fundamentais para garantir que as videiras mantenham um crescimento equilibrado e uma produção de qualidade.

E se há pioneiros na produção, também há catalizadores no comércio dos rótulos de vinhos de inverno como a Dulce Ribeiro - ela é uma incentivadora dos rótulos mineiros e tem mais de 30 anos de experiência no mercado de vinhos. Lembremos do esforço de Junior da Luiz Porto mostrando e vendendo seus vinhos nas Feiras Aproxima de Eduardo Maya, o trabalho de seleção e venda de rótulos de inverno por Pablo Teixeira no seu Cabernet Butiquim, e restaurantes que introduziram rótulos mineiros em suas Cartas de Vinhos.

O sucesso dos vinhos de Minas Gerais tem impulsionado o enoturismo na região, com a criação de rotas de vinho, com destaque para a região da Serra da Mantiqueira e o Triângulo Mineiro. Várias vinícolas estão investindo em experiências para atrair visitantes, oferecendo visitas aos vinhedos, degustações de vinhos e harmonizações com a culinária local. 

Se Minas Gerais já era conhecida pelo seu café, gastronomia e hospitalidade, agora chegou o momento dos “vinhos de inverno” e a dupla poda. Não é à toa que vem sendo chamada da “Toscana Brasileira”. A denominação “Toscana Brasileira” ganhou força a partir do desenvolvimento de atividades ligadas ao enoturismo e à agricultura de qualidade. O relevo ondulado, com morros e vales, lembra o cenário típico da Toscana, região italiana famosa por seus vinhedos e olivais!!!

Saúde!!! Aproveite para comentar se gostou ou não do artigo!!! (Este artigo está baseado em material disponível na internet, e minhas considerações em relação ao tema).