“VINHOS DE SOLOS CALCÁRIOS”
- Marcio Oliveira - Vinoticias
- 26 de mai.
- 8 min de leitura
A pergunta numa degustação que orientei nesta semana me chamou atenção: vinhos de solos calcários são mais elegantes?

Esta pergunta é o fio condutor do artigo desta semana. Não se pode dizer que exista um "solo ideal" que produza os melhores vinhos em todas as circunstâncias. Na realidade, cada tipo de solo contribui de maneira diferente para as características do vinho, a interação entre a videira e o solo é complexa e específica para cada região, fora as condições climáticas e de insolação. A habilidade do viticultor está em entender como manejar as videiras em seu solo específico para produzir o melhor vinho possível.
O solo é o fundamento de qualquer vinhedo. Ele não apenas sustenta as videiras, mas também fornece nutrientes essenciais, retém água, regula a temperatura das raízes e influencia a maturação das uvas. As videiras são plantas resilientes, capazes de crescer em uma variedade de solos, desde os mais pobres e pedregosos até os mais ricos e férteis. No entanto, o tipo de solo pode ter um impacto significativo na qualidade e no estilo do vinho produzido.
Os amantes de vinho podem jurar fidelidade a certos tipos de solo, atribuindo a um ou outro um sabor ou sensação específica que percebem em sua taça. Solos calcários, que sustentam alguns dos vinhedos mais cobiçados do mundo na Borgonha, Chablis e Champagne, são frequentemente associados à precisão, à luminosidade ou à mineralidade de um vinho específico. A palavra "mineralidade" é frequentemente associada a vinhos produzidos a partir de uvas cultivadas em solos calcários.
Os solos calcários influenciam de forma significativa a elegância do vinho, especialmente por conferir maior acidez e mineralidade. Essa influência se manifesta através da restrição de água e nutrientes, estressando as videiras e concentrando o sabor nas uvas.
A baixa capacidade de retenção de água em solos calcários acaba levando as videiras a produzirem uvas com maior acidez, um fator importante para a elegância do vinho, especialmente em vinhos brancos. A restrição de água e nutrientes estressa as videiras, o que leva a uma menor produção de uvas, com maior concentração de sabor e aromas.
Além disto, a presença de cálcio e outros minerais no solo calcário confere uma nota mineral ao vinho, que é frequentemente descrita como elegante e complexa.
A acidez e mineralidade proporcionadas pelos solos calcários conferem aos vinhos uma maior capacidade de guarda e envelhecimento, permitindo que desenvolvam nuances de sabor ao longo do tempo. De forma geral, a combinação de acidez, mineralidade e concentração das uvas contribui para uma sensação de frescura e elegância no vinho.
♦ O CALCÁRIO - Calcário é uma rocha sedimentar que contém calcita, um mineral de carbonato de cálcio. Solos calcários são derivados de material de origem, seja calcário ou dolomítico. A diferença é sutil: a dolomita é essencialmente calcária, mas parte do conteúdo de cálcio foi substituído por magnésio. O calcário é composto de calcita ou carbonato de cálcio. Essencialmente, a dolomita é calcária, mas uma versão mais leve ou menos pura.
Eles contêm pelo menos 5% e até 50% de carbonato de cálcio ou carbonita de cálcio e magnésio. Esses detalhes são fáceis de ignorar, mas essenciais para a compreensão da essência do calcário e seus efeitos.
O solo consiste em matéria orgânica que se decompôs ao longo do tempo, incluindo porções de carbonato de cálcio presentes no leito rochoso calcário que se desgastou ao longo do tempo, à medida que a superfície da Terra era exposta à água e ao ar. Adicione água, ar e tempo e você terá solo calcário. Esses solos serão todos alcalinos e terão um pH básico, em torno de oito. Haverá cal ativa presente, que é essencialmente carbonato de cálcio no próprio solo, o que o torna disponível para a planta.
Em termos gerais, solos com uma porção significativa de calcário oferecem excelente drenagem e conservação de água. A principal contribuição dos solos calcários para o cultivo da uva está na forma como ajudam as videiras a gerenciarem a água. Esses solos absorvem água como uma esponja. Há também fissuras profundas no substrato rochoso, que conservam a água e permitem que as videiras com raízes profundas se enterrem e encontrem água durante os períodos de seca.
Solos calcários são finos, o que estressa as videiras, o cálcio é um nutriente que as vinhas apreciam. Portanto, tendo videiras estressadas, um componente necessário para a produção de vinho de alta qualidade será a disponibilidade de cálcio e água quando as plantas aprofundam suas raízes para dentro da rocha. Sabe-se também que solos calcários misturados com argila são particularmente adequados para armazenar água, dada a capacidade adicional da argila de absorver água.
Mas nem tudo são bônus, também há desvantagens. O alto pH do calcário pode dificultar a absorção dos nutrientes necessários pelas videiras, especialmente o ferro. Essa deficiência de ferro pode causar problemas na fotossíntese, o que impedirá o crescimento e abrirá caminho para doenças. No entanto, existem soluções alternativas, como o uso de porta-enxertos mais adequados.
Foi descoberto que o uso do porta-enxerto 41B auxilia na adaptação das videiras, ajudando a garantir que as plantas absorvam o ferro e todos os nutrientes do solo, além de outros benefícios, como uma brotação que ocorre mais tarde, o que ajuda a prevenir problemas de geadas em algumas regiões onde elas costumam acontecer, embora isso tenda a resultar em menos uvas, as que se desenvolvem crescem bem e são mais concentradas.
Quando alguns especialistas em solos são questionados sobre como uvas cultivadas exatamente nas mesmas condições, exceto com diferentes tipos de solo, seriam comparadas, há uma expectativa de que se esperaria que o vinho de calcário fosse mais ácido e que a estrutura fosse firme, densa, intensa e linear. E embora alguns não acreditem que o solo esteja diretamente ligado ao sabor do vinho, é certo que o tamanho das uvas cultivadas em solos calcários pode influenciar a impressão que o vinho transmite. Em geral, solos pobres, como - mas não exclusivamente - calcários, são bons para vinhos de qualidade. Eles concentram os compostos presentes nas uvas, que são precursores do sabor.
O especialista Chevrolat, que trabalhou com uvas colhidas de outros tipos de solo, incluindo aqueles dominados por xisto e granito, acredita que o efeito mais notável do calcário é a maneira como ele ajuda a uva a transmitir seus sabores, embora admita que não consegue explicar precisamente a mecânica do processo. Os sabores e aromas das uvas cultivadas em solo calcário são mais refinados do que os encontrados em outros solos, diz ele. - “Há uma sutileza e delicadeza que se alcançam no calcário, mais do que em outros solos.”
♦ EXEMPLOS DE REGIÕES VINÍCOLAS CONHECIDAS PELOS SOLOS CALCÁRIOS E VINHOS ELEGANTES:
● Borgonha (França): Famosa por seus vinhos brancos e tintos com alta acidez e mineralidade. Os solos da Borgonha, região vinícola francesa, são predominantemente calcários e argilosos, com variações significativas de marga, cascalho e areia, que influenciam o terroir da região. A composição dos solos, rica em calcário e fósseis marinhos, favorece a drenagem e confere mineralidade aos vinhos, especialmente os elaborados com as uvas Pinot Noir e Chardonnay.

A Borgonha é uma verdadeira colcha de retalhos de tipos de solo, que variam drasticamente em pequenas distâncias. Os solos da região são principalmente calcários, mas dentro dessa categoria há variações notáveis que influenciam os vinhos de forma distinta.
Além do solo, o clima desempenha um papel essencial no terroir da Borgonha. A região tem um clima continental com verões quentes e invernos frios, mas a variação topográfica cria microclimas que podem alterar significativamente as condições de crescimento entre vinhedos vizinhos. Fatores como exposição solar, altitude e proximidade com corpos d’água influenciam a maturação das uvas, resultando em diferentes níveis de acidez, taninos e sabores.
A expressão do terroir é tão fundamental para os vinhos da Borgonha que, frequentemente, as vinhas são identificadas não apenas pelas variedades de uva, mas pelo vinhedo específico de onde provêm. Essa identificação pode ocorrer em escalas tão pequenas quanto de um vinhedo de um único produtor (neste caso chamado de “Monopole”) a vinhedos compartilhados entre vários produtores, com o uso de diferentes práticas agrícolas e de vinificação.
● Champagne (França): Os solos calcários são essenciais para a produção de champagne de alta qualidade, com sua acidez e complexidade. Os solos na região de Champagne, em grande parte, são compostos por giz calcário e rochas sedimentares, sendo que o giz é o mais predominante. Essa composição influencia no sabor e características únicas do champagne, devido à sua capacidade de drenagem e à influência mineral nos vinhos.
Se olharmos para o século V d.C. e para as origens do cultivo da vinha na região de Champagne, até os romanos sabiam procurar solos ricos em cálcio. Avançando mil anos, foram as encostas calcárias puras do Aÿ que foram favorecidas para a produção dos célebres vinhos brancos (tranquilos) cobiçados pela corte francesa. Ainda hoje, as vilas "Grand Cru" de Champagne são, com algumas exceções, as mais calcárias.
Entender o solo significa entender o tempo – o que surgiu primeiro e o que está acima dele. Noventa milhões de anos atrás, a região de Champagne estava completamente submersa. Centrada em torno de Paris, formou-se uma bacia que começou a afundar no meio, empurrando suas bordas para cima e expondo as camadas de depósitos abaixo. Quanto mais distantes do centro da depressão, mais antigos eram os depósitos; Alsácia e Borgonha, Metz e Dijon repousam em grande parte sobre solos jurássicos, datados entre 150 e 200 milhões de anos atrás. Champagne, porém, mais próxima do centro da depressão, repousa sobre solos com idade entre 40 e 150 milhões de anos.
● Chablis (França): A região é conhecida pelos seus vinhos brancos de Chardonnay com notas marcantes de mineralidade. Os solos de Chablis são compostos principalmente por calcário e argila, originários da era Kimmeridgiana do período Jurássico. Essa composição, rica em fósseis marinhos e argila, confere aos vinhos de Chablis características únicas, como mineralidade, acidez e elegância. Os solos também podem apresentar influências do calcário Portlandiano, que confere uma maior percepção dos aromas e sabores de frutas nos vinhos.
A combinação de calcário e argila é essencial para a mineralidade e acidez que caracterizam os vinhos de Chablis. O calcário proporciona uma estrutura ao solo, enquanto a argila ajuda a reter a água e os nutrientes. A presença de fósseis marinhos no solo Kimmeridgiano contribui para a mineralidade dos vinhos, que se manifesta como notas de sal e pedra.
● Napa Valley (Califórnia): Algumas áreas da região produzem vinhos com características semelhantes às dos vinhos da Borgonha, devido à presença de solos calcários.
Os solos de Napa Valley são extremamente diversificados, com uma combinação de solos vulcânicos, leitos rochosos marinhos e solos sedimentares, resultantes de intensa atividade geológica. Essa variedade contribui para a singularidade dos vinhos da região,
A combinação de diferentes tipos de solo permite que os produtores explorem as melhores condições para cada variedade de uva, resultando em vinhos com características distintas. A presença de solos mais rochosos e bem drenados, como nos solos de montanha, contribui para uvas mais concentradas e com maior estrutura.
Os solos mais argilosos, comuns em áreas mais baixas, podem fornecer um maior teor de água às plantas, resultando em vinhos com mais fruta e corpo. A presença de minerais, como calcário, também é importante, conferindo aos vinhos do Napa um sabor e aroma mais complexos, com notas minerais características.
Em resumo, o solo é um dos elementos mais intrigantes e essenciais na produção de vinho. Ele não apenas nutre as videiras, mas também influencia diretamente as características sensoriais da bebida. Quando você degustar um vinho, pense no solo que alimentou as videiras e que deram as uvas, e como ele ajudou a moldar o vinho em sua taça. Essa é a magia da terra transformada em sabor.
Saúde!!! Aproveite para comentar se gostou ou não do artigo!!! (Este artigo está baseado em material disponível na internet, e minhas considerações em relação ao tema).
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